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A Arte de Negociar com Chineses

Henry Uliano Quaresma

Além de estudar a cultura, hábitos e métodos de negociação e tomada de decisão dos chineses, antes de começar qualquer negociação deve ser criada e cultivada uma relação pessoal de confiança mútua, o que pode levar um tempo mais longo do que o habitual para a maioria dos ocidentais. Se tais cuidados forem tomados e os negociadores estiverem bem preparados para estabelecer boas relações, sabendo como funciona a mente do negociador chinês, estabelece-se uma ligação quase fraternal que trará bons resultados por um longo tempo. Iniciar uma relação comercial passa resumidamente por quatro etapas antes e durante a negociação de fato: visitas de reconhecimento, participação em eventos, visitas empresariais e visitas de negociação.

Nas visitas de reconhecimento, a comunicação pode parecer difícil, mas é interessante buscar contato direto com chineses em hotéis, pontos turísticos, na rua e, se possível, no meio empresarial e governamental, como embaixadas e câmaras de comércio, pois podem ser bons pontos de partida no estabelecimento de conexões (guanxi) com empresas e governo. Quanto a participação em eventos, vale dizer que quase todas as cidades chinesas possuem feiras dos mais diversos tipos, dos quais é interessante participar mesmo que como espectador, pois eles são os melhores lugares para se entender a cultura de negócios e o processo de negociação chinês. Depois podem ser agendadas visitas a traders, que podem ser identificados através dos meios de aproximação comercial disponíveis ou realizados contatos com órgãos nacionais ou regionais do governo, além de possíveis parceiros chineses no negócio.

As visitas iniciais, apesar de formais, são apenas preliminares, com o propósito de estabelecer contatos, demonstrar boas intenções e criar relações. Hierarquia é quase uma religião na China. Logo, nenhuma empresa deve esperar estabelecer contatos se enviar pessoas despreparadas ou sem uma posição hierárquica correspondente a quem os recepcionará. Por isso, os representantes da empresa já devem ser bons conhecedores da história chinesa, levar em conta as regras da etiqueta social e de negócios, respeitar a hierarquia e ter muita paciência. Além disso, o conceito de “face” (dignidade e prestígio de um indivíduo), que será explorado posteriormente, deve ser respeitado tanto para si mesmo quanto para os chineses envolvidos.

Obter sucesso em tais quesitos, aliado a uma apresentação atraente da empresa e das possibilidades de negócio, cria o rapport (harmonia interpessoal) necessário para que negociações proveitosas possam ser iniciadas.

Chega então a fase das visitas de negociação. Segundo Graham e Jam, aprender a negociar com os chineses é o maior desafio da atualidade para os executivos ocidentais. Seu estudo demonstra de forma clara como ir além do senso comum de apenas ler livros de etiqueta chinesa ao se preparar para negociar no país. Graham e Jam definem o estilo chinês de negociação em oito elementos:

1º) Face: O conceito de “face” na cultura chinesa pode ser compreendido como posição, dignidade e prestígio de uma pessoa. Na China se pode ganhar ou perder face, por si próprio ou por ações de outras pessoas. É como se fosse a “cotação” da pessoa. Fazer um intermediário ou o negociador chinês “perder face” é algo muito sério, podendo causar danos irreparáveis à relação de confiança e a perda de negócios. Preservar e aumentar o mien tzi (“face”) próprio ou alheio não é só evitar constrangimentos, mas também manter intacto os grupos sociais e a hierarquia dentro deles. O conceito de “face” se aplica ao governo, empresas e qualquer outra organização na China.

Para se evitar que alguém perca “face” não se deve dizer “não” diretamente, não se deve rejeitar uma proposta ou convite sem mostrar apreciação, não se deve interromper a conversa alheia e deve-se evitar rebaixar alguém de posto ou ameaçar demiti-lo publicamente. E, principalmente, deve-se sempre obedecer à hierarquia.

Algumas atitudes podem fazer alguém ganhar “face”, como elogios em público (principalmente se vindos de um ocidental com posição igual ou superior na hierarquia de suas empresas), sair da rotina para auxiliar uma pessoa e dar um presente adequado ou convidar para um banquete, dentre outras ações que elevam o ego do indivíduo.

2º) Conexões Pessoais (Guanxi): O guanxi é muito mais que o networking dos ocidentais: representa o capital social que um indivíduo tem em seu grupo social, parentes e emprego… Pode ser entendido como a hierarquia e respeito pela “face” dos chineses aliado ao conceito de networking dos ocidentais. É fundamental para o sucesso de estrangeiros, pois além de permitir relacionamentos de confiança e respeito mútuo duradouros dissipa desconfianças e dribla a burocracia chinesa. Chineses só deixarão alguém entrar em sua rede de guanxi se valer a pena. Isso significa possuir integridade, boa posição na hierarquia social e/ou profissional e ter uma “face” respeitada. Negociar com desconhecidos é algo impraticável para os chineses, e muitas empresas perdem contratos pelo simples fato de mudarem um executivo, já que o importante na relação era ele, que já fazia parte do guanxi.

Para conseguir expandir o guanxi, devem-se utilizar intermediários que funcionam como embaixadores. Fazer parte de uma rede de guanxi traz também obrigações. Todo favor que lhe for requisitado deve ser atendido mesmo que de forma simbólica, pois ignorar um pedido sem justificativa forte significa quebrar a confiança mútua existente. Mas a reciprocidade de favores não precisa ser imediata.

Os chineses também podem utilizar o guanxi de má-fé, prometendo a ocidentais acesso a tudo e todos quando na verdade só querem tirar proveito. Um bom esclarecimento sobre o verdadeiro guanxi é dado por Tom Chung:

“(…) Cada relação contém suas próprias regras e etiqueta social. E se uma das partes se sentir mais beneficiada, então é dela a obrigação de corrigi-la ou não aceitar o benefício oferecido, porque esse desequilíbrio irá romper a harmonia da relação e fará o devedor ‘perder face’ (prestígio)” (Negócios com a China, Tom Chung, p. 102).

3º) Intermediário (Zhongjian Ren): Devido à desconfiança dos chineses em relação aos estrangeiros, deve-se conseguir intermediários para se estabelecer os primeiros contatos com os representantes de empresas e/ou áreas dos governos locais e central que participarão dos negócios pretendidos. Conterrâneos, familiares, ex-colegas ou antigos parceiros de negócios presentes no guanxi de quem se pretende contatar são intermediários em potencial. O intermediário é importante também durante a negociação, visto que na maioria das vezes os chineses não irão dizer “não” na sua frente, por exemplo, todavia podem vir a usar o intermediário para essa função. Eles são também importantes, porque têm capacidade de compreender melhor as nuances e expressões faciais e da fala de um chinês. Graham e Lam falam que: “Na China, os intermediários – e não os negociadores – são quem trazem à tona o assunto de negócios a ser discutido. E o intermediário muitas vezes é quem resolve as diferenças”.

4º) Status Social (Shenui Dengji): Ainda mais importante que a formalidade no tratamento é o respeito à hierarquia na mesa de negociação. Os chineses só negociarão se a empresa com quem estão tratando mandar representantes à altura de quem os recebe do lado chinês. Não é incomum que nas primeiras visitas esteja incluído até o presidente da empresa, como Graham e Lam muito bem exemplificam:

“E reuniões de alto escalão podem fazer milagres. Quando a General Motors estava tentando adquirir a Shanghai Auto, em 1995, o presidente da GM, John F. Smith, fez três viagens a Pequim para se encontrar com os executivos chineses. Essa é uma das razões por que você vê Buicks (GMs) e não Fords andando por lá” (The Chinese Negotiation, 2003, p. 5).

5º) Harmonia Interpessoal (Renji Hexie): Conhecida no Ocidente pelo termo em inglês rapport, que se traduz em uma sintonia entre as duas partes, a “harmonia interpessoal” é tão importante na China que existem até ditados como: “Um homem sem um sorriso não deveria abrir um negócio” e “Só uma pessoa amigável e de bom temperamento ganha dinheiro”. Na China, nas relações entre iguais, o principal é a amizade e demonstração de intenções positivas. Uma vez alcançada a harmonia que gera o rapport – o que pode levar muito tempo – bons negócios acontecem e a confiança mútua gerada garante muito mais o cumprimento dos termos acordados que qualquer contrato assinado, em um país que historicamente leva a palavra muito mais a sério do que suas leis.

O autor Tom Chung define o rapport como “um relacionamento caracterizado pela harmonia, similaridade ou afinidade”. A mente consciente, que segundo Chung é responsável por apenas 5 a 9% do que fazemos, detecta diferenças pela curiosidade ou rejeição. A mente inconsciente, que segundo ele responde por até 95% do nosso pensamento, detecta semelhanças que nos trazem certeza e segurança. Logo, essa é a parte preponderante do pensamento das pessoas, e entender as diferenças entre as duas é fundamental. O segredo do rapport na opinião do especialista é o espelhamento, enfatizando as semelhanças de pensamento (congruências), mesmo que pequenas, pois elas criam a sintonia mútua necessária para que o resto seja discutido. Daí seu Princípio dos 101%: Ache o 1% em que você e a outra parte pensam de forma semelhante sobre algo, e foque-se 100% nesse assunto, pois ela fará o mesmo e esquecerá momentaneamente das diferenças, criando a sintonia necessária entre as partes antes de se discutir, de fato, assuntos em que ambos têm opiniões divergentes.

Segundo Chung, criar rapport com os chineses não passa necessariamente pela língua, responsável por apenas 7% do que “dizemos”. Do restante, 33% estão na musicalidade da voz, e a comunicação não verbal, segundo estudos, é responsável pelos 60% restantes. A importância do Princípio dos 101% é que a comunicação não verbal só demonstra sintonia se você está realmente em sintonia com a outra pessoa. Logo, mesmo que se trate de sintonia em apenas 1% do que pensam, ela já faz com que a comunicação não verbal transmita consistentemente uma atitude de sinceridade e boas intenções.

Especificamente com os chineses, o que pode ajudar, além do Princípio dos 101%, segundo Chung, é conhecer a história, língua e cultura chinesas, compreender o Confucionismo e A Arte da Guerra, que permitem o domínio das regras da etiqueta social e primeiro entender como seu “oponente” pensa e se porta, acompanhando seu ritmo, para só depois tentar conduzi-lo na negociação.

Entrar em sintonia, ou rapport, não é concordar com o outro em tudo, mas sim enfatizar a parte que concordam – se ela existir – e, principalmente, validar a opinião do outro no restante em que discordam de maneira sincera e respeitosa.

6º) Pensamento Holístico (Zhengti Guannian): A diferença entre a escrita ocidental e a pictográfica chinesa, dentre outros fatores, faz com que ocidentais pensem de maneira linear (“uma coisa de cada vez”), enquanto o chinês e outros povos asiáticos pensam de forma holística, vendo o todo. Essa diferença é a maior causa de conflitos em negociações, pois Ocidentais facilmente se irritam com a “falta de progresso” e perguntas que voltam a tratar de assuntos anteriormente negociados e aparentemente definidos. Na China, “nada é definido até que tudo esteja definido”. Ou seja, eles estarão analisando todos os aspectos do negócio ao mesmo tempo, enquanto ocidentais tendem a querer negociar cada parte em separado. Isso leva a concessões desnecessárias, pois achamos que a negociação está “emperrada”, quando as condições já podem estar satisfatórias para o lado chinês. Por outro lado eles facilmente cancelam a negociação até mesmo em partes que já haviam sido negociadas ou voltam a barganhar sobre elas.

Por isso são sinais de progresso o fato de as perguntas começarem a ser de partes específicas do acordo, e também a entrada de executivos de alto escalão nas reuniões. Em alguns casos, quando os chineses começam a discutir entre si com mais frequência, é sinal de que estão decidindo.

7º) Barganha e Poupança (Jiejian): O ato de poupar (denominado Jiejian) é milenar na China, país acostumado a instabilidades políticas e econômicas. Isso se traduz em barganhar ao máximo. Em geral, os chineses, quando vendendo, pedirão um preço mais alto que o usual, que só será baixado após longas discussões. Para piorar, enquanto ocidentais expressam sua indignação por preços não realistas dos chineses, estes usam o silêncio e a sua paciência como modo de defesa. Portanto, ocidentais não deveriam levar as primeiras ofertas a sério, pois é esperado que ambas as partes façam concessões para chegarem a um equilíbrio.

8º) Comprometimento, Persistência e Empenho (Chiku Nailao): Na cultura chinesa, mais importante do que o resultado é o esforço realizado durante o processo. Ser reconhecido por seu empenho, comprometimento e persistência (Chiku Nailao) é mais importante e honrável, para o chinês, do que o talento para desempenhar uma função. Nos negócios, segundo Graham e Lam, isso se reflete no fato de que eles provavelmente terão se empenhado muito mais que os ocidentais na preparação para a negociação. Para demonstrar o seu chiku nailao, os autores sugerem três táticas:

a) Faça perguntas, algumas mais de uma vez, pois isso pode ajudar a expor as fraquezas do argumento do outro lado da mesa (sempre de maneira respeitosa e evitando “perda de face”), fazendo-o se sentir obrigado a aceitar novas concessões. Isso demonstra empenho do seu lado.

b) Mostre comprometimento com a negociação através de uma pesquisa bem feita, se possível educando os parceiros chineses a respeito de sua empresa, normas internacionais de negócios que eles venham a desconhecer ou até sobre o que seus concorrentes oferecem, sempre de maneira sutil. Ainda mais interessante é demonstrar resultados práticos que a empresa chinesa viria a alcançar com o que está sendo negociado.

c) Paciência e compreensão são bons sinais de chiku nailao. Concessões estão previstas, mas isso não quer dizer que serão fáceis.

De forma resumida, os especialistas John L. Graham e N. Mark Lam colocam a negociação com os chineses da seguinte maneira:

“Para Ocidentais que desejam fazer negócios na China, aqui vai a palavra final: Mexa-se agora, e aprenda as regras do jogo desenvolvendo o guanxi necessário para fazer seu negócio prosperar por lá. Não espere resultados imediatos. Velhas amizades fazem milagres através do tempo; cada ano investido agora na China vai se pagar no futuro – porque em um país de memórias milenares, relacionamentos no presente têm de ser cultivados com paciência por um longo tempo” (The Chinese Negotiation, 2003).

Henry Uliano Quaresma, autor do livro “O Fator China e o Novo Normal”, lançado em novembro de 2016, CEO da Brasil Business Consulting e Diretor da TSL.

quaresma.2000@uol.com.br

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